28/11/2023 às 18:44

ESPECIAL: Alta Floresta (MT) aposta no cacau em projeto de reflorestamento

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Uma das mais antigas culturas do Brasil, responsável por ciclos de riqueza e prosperidade, está na raiz de um dos mais inovadores projetos de recuperação do bioma amazônico em curso no País. O cacau, com toda a sua história e tradição, é a referência principal de um plano-piloto para o reflorestamento de áreas degradadas que mobiliza investimentos de R$ 33 milhões no município de Alta Floresta, na divisa do Mato Grosso com o Pará.

Responsáveis pela iniciativa, a multinacional Cargill e a Belterra Agroflorestal intencionam recuperar 100 mil hectares da Amazônia Legal, divididos em diferentes propriedades rurais, num prazo de até cinco anos. O ponto de partida é a plantação e o desenvolvimento de árvores cacaueiras, resilientes ao clima da região e capazes de fazer vicejar, às sombras de suas folhas, uma série de produtos de ciclo curto de cultivo, como milho, arroz, feijão, mandioca e banana.

“O cacau é uma espécie-chave para a recuperação de áreas degradadas, pois retém a umidade no solo e o fertiliza, além de ser bastante eficiente em proteger o terreno quando ocorrem enxurradas”, diz o engenheiro agrônomo Valmir Ortega, fundador da Belterra. “Em termos de sustentabilidade econômica, o cacau pode ser muito rentável, uma vez que a totalidade da produção brasileira não consegue suprir nem mesmo as necessidades do mercado nacional”, acrescenta. O executivo ressalta que, na perna social do conceito ESG, essa fruta demanda um manejo bastante manual, o que significa emprego para muita gente em sua cadeia produtiva.

O programa vai envolver fazendas em que a Belterra opera como orientadora de planos de desenvolvimento sustentável. O Banco Cargill destinará R$ 33 milhões para que os produtores rurais locais tenham condições de implantar a cultura do cacau em suas propriedades.

O retorno esperado para cinco anos, em termos de reflorestamento, prevê a produção e venda das culturas de ciclo curto antes de esse período se completar. “A Cargill comprará o cacau produzido pelas fazendas onde a Belterra opera”, anuncia Bruno Cheble, líder de Originação para Alimentos e Ingredientes da Cargill. “Além de fomentar a atividade de agronegócio, estamos reforçando nossas parcerias para espraiar as práticas de agricultura sustentável a todos os nossos fornecedores, parceiros e clientes.”

Para desenvolver o projeto, as duas companhias reuniram alguns dos mais relevantes especialistas em restauração florestal do Brasil, incluindo professores e pesquisadores de importantes universidades brasileiras e instituições, como a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), a Conservation International (CI), o Instituto Perene, a SLC Agrícola, a WayCarbon, o World Resources Institute (WRI) e as consultorias Agroicone, Bioflora e Solidaridad.



Originário da própria Amazônia, onde teve seu primeiro ciclo extrativista no século 17, o cacau teve suas sementes levadas para o sul da Bahia no século seguinte, onde assumiria a substituição da cana-de-açúcar, cujo apogeu chegara ao fim. Ali, ergueu fortunas e fez história. Os relatos da época são precisos em datar o ano de 1752 para o início do plantio em Ilhéus.

Por quase 150 anos seguintes, em razão da completa adaptação do cacau ao clima quente e úmido da região baiana, parecido com o seu hábitat natural amazônico, o Brasil ocupou o primeiro ou segundo lugar na produção mundial. Essa fase de ouro se encerrou quando, no final do século 19, os ingleses iniciaram o plantio na costa da África, passando a ganhar os mercados centrais. Recentemente, nos anos 1980, a praga conhecida como vassoura-de-bruxa devastou a pujança da produção cacaueira na Bahia.

Hoje em dia, o Brasil ocupa a sétima posição no ranking dos maiores produtores de cacau no mundo, atrás de cinco países africanos e do Equador. Com 2,2 milhões de toneladas produzidas no ano passado, a Costa do Marfim lidera a produção global. Por aqui, a performance total foi de 269,7 mil toneladas do fruto. Em território nacional, são pouco mais de 90 mil produtores de cacau atualmente. Uma vantagem competitiva está no fato de o País ser o único produtor mundial que também conta com todos os elos da cadeia em seu próprio território: produção, processamento, indústria chocolateira e consumidor. Somos o quinto país no ranking mundial de consumo.

O município mato-grossense de Alta Floresta não foi escolhido ao acaso para sediar o projeto-piloto de recuperação florestal de 100 mil hectares a partir da plantação de árvores cacaueiras. Ali, o bioma amazônico tem um longo histórico de degradação. Ao mesmo tempo, o vizinho Pará é o maior produtor nacional de cacau, com um desenvolvimento contínuo nos últimos 50 anos. O Mato Grosso, sede do projeto, ocupa, por outro lado, a sexta posição no ranking nacional, mas exibe todas as condições climáticas para avançar.

A intenção do plano é mostrar que o Sistema Agroflorestal (SAF) representa uma possibilidade de ganhos para o médio ou grande produtor. O SAF que está sendo implementado no Mato Grosso tem como característica intrínseca uma sinergia entre as plantas que fazem a diferença nas áreas onde o cacau está inserido, apresentando bons resultados no plantio de outros produtos. Culturas de ciclo curto, como milho, arroz, feijão, mandioca e banana, começam a apresentar bons resultados após seis meses ou um ano.



“Conforme as espécies florestais de ciclo longo, como mogno, cedro, jacarandá e jequitibá crescem ao longo de 20 anos, elas também fornecem sombra e nutrientes para outras espécies de ciclo médio, como o próprio cacau, o cupuaçu, o açaí e o pupunha, que demoram de três a quatro anos para estarem prontas para a colheita”, diz o técnico da Belterra. O grande diferencial desse sistema de reflorestamento é que seu processo de implantação precisa ter como base a sucessão ecológica, o que na prática acontece de forma espontânea.

A sequência de eventos naturais, dentro do escopo da mais ampla biodiversidade, faz com que diversas comunidades biológicas, como cianobactérias, líquens e musgos, iniciem a recolonização de um ecossistema, dando condições para que indivíduos mais complexos se desenvolvam em seguida. É assim que uma área degradada tem chances de voltar a ser uma floresta em pé, com o ganho extra de ainda possibilitar colheitas de produtos de ciclo curto de maturação, como milho, arroz, feijão, mandioca e outros.

A formação de mão de obra especializada é mais um dos desafios para a complexa fórmula dar certo. “As agroflorestas requerem muito conhecimento em tecnologia de produção agrícola, pois é preciso dominar técnicas de manejo de dezenas de espécies diferentes, cada uma com suas particularidades”, diz o especialista Ortega. “Combinar as espécies em um arranjo é parte importante da inteligência do negócio. Algumas espécies são inseridas no sistema para fixarem nitrogênio no solo em um primeiro momento e também para servirem como adubo quando perecem. Cada uma delas tem sua função no arranjo.”
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