13/03/2024 às 16:50
ESPECIAL: “O mundo da agropecuária também é feminino”, pontua Silvia Massruhá, presidente da Embrapa
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Em entrevista exclusiva ao Broto, Silvia Massruhá, primeira mulher a presidir a Embrapa, avalia que houve avanços na participação feminina no agronegócio brasileiro, mas alerta para os desafios que ainda precisam ser enfrentados. Confira:BROTO: Como você enxerga o papel das mulheres no agronegócio brasileiro e de que maneira você acredita que suas contribuições têm impactado positivamente o setor?Silvia Massruhá: Cada vez mais as mulheres estão assumindo o protagonismo nas propriedades rurais e em cargos de liderança nas empresas. Nas propriedades rurais, por exemplo, a multiplicidade de papéis assumidos por elas, na gestão da propriedade, no manejo de animais, na agroindustrialização e nas organizações sociais vem mostrando o crescimento da participação feminina no agro brasileiro.O último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 revelou que o número de mulheres dirigindo propriedades rurais no Brasil alcançou quase 1 milhão – foram identificadas 947 mil mulheres diretamente responsáveis pela gestão de propriedades rurais, de um universo de 5,07 milhões. A maioria está na região Nordeste (57%), seguida pelo Sudeste (14%), Norte (12%), Sul (11%) e Centro-Oeste, que concentra apenas 6% do universo de mulheres dirigentes. Considerando aquelas em codireção, esse número aumenta para 1,7 milhão de mulheres na gestão das propriedades rurais. Mas acredito que esses números tenham aumentado desde a sua divulgação.BROTO: Quais desafios específicos as mulheres enfrentam no contexto do agronegócio e como você vê a superação desses obstáculos ao longo do tempo?Silvia Massruhá: De forma geral, o agronegócio ainda é um universo predominantemente masculino, se considerarmos os fatores históricos da evolução da agricultura, onde o homem foi durante muito tempo o protagonista e gestor principal da propriedade rural.Ao observarmos a sucessão rural, identificamos não só os homens jovens como aqueles que irão dar continuidade aos negócios rurais, mas também a presença das mulheres, sejam elas esposas, viúvas ou filhas. Porém, a mulher produtora rural ou técnica ainda é vista com estranheza ou até mesmo uma certa desconfiança pelo universo masculino, o que exige dela um esforço ainda maior para provar o seu conhecimento e valor.Outro desafio é a conciliação entre a carreira profissional e os interesses pessoais, como a questão do cuidar da família, as dificuldades do compartilhamento das tarefas domésticas e o seu perfil de coordenar tudo [...] elas seguem transformando suas realidades e o seu entorno, mostrando que o mundo da agropecuária também é feminino.BROTO: Na sua experiência, de que forma as mulheres têm inovado e trazido novas perspectivas para o desenvolvimento do agronegócio no Brasil?Silvia Massruhá: As mulheres precisam estar preparadas tecnicamente e intelectualmente para ocuparem os espaços de poder e de liderança, seja nas propriedades rurais, seja nas empresas do setor. Para isso, a grande inovação está na capacitação, na participação em cursos, treinamentos e estudos técnicos. Eu defendo que as mulheres conquistem cada vez mais seus espaços, mas que se capacitem cada vez mais.Além disso, hoje temos como uma megatendência nas empresas a incorporação da agenda ESG – governança corporativa, ambiental e social. E quando falamos nessa agenda, percebemos o importante papel que as mulheres podem desempenhar e contribuir, pois elas têm um olhar forte para a dimensão ambiental e social. Por isso, observamos também que muitos são os empreendedores que investem em cargos de liderança feminina e que se preocupam em agregar valores relacionados ao ESG.BROTO: Quais são as principais oportunidades para o crescimento profissional das mulheres no agronegócio e como podemos incentivar a participação feminina em posições de liderança?Silvia Massruhá: Como principais oportunidades, eu destaco o que mencionei anteriormente, a questão da atuação das mulheres na agenda de ESG, justamente por esse olhar sistêmico que a mulher tem sobre as propriedades rurais e as organizações. E para incentivar a participação feminina nas posições de liderança eu defendo a valorização de mulheres que são exemplos, como a pesquisadora Johanna Döbereiner, que comemoraria 100 anos neste ano.Do quadro da Embrapa Agrobiologia, no Rio de Janeiro, ela fez história na agricultura e na ciência, chegando, inclusive, a ser indicada ao Nobel de Química. Hoje, a Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN) é uma tecnologia que permite a economia de bilhões de dólares em fertilizantes químicos que deixam de ser comprados para uso na lavoura de soja e outros grãos, já que o nitrogênio disponível na atmosfera pode ser fixado de forma natural a partir de uma tecnologia desenvolvida por essa cientista.Na atualidade, temos pesquisadoras da Embrapa que foram reconhecidas recentemente pela Revista Forbes que nos inspiram diariamente. Em outubro de 2023, a revista prestou homenagem às cientistas brasileiras que se destacam no desenvolvimento do campo, por intermédio de seu trabalho nos institutos de pesquisas.BROTO: Como as mulheres do agronegócio podem promover a sustentabilidade e a preservação ambiental em suas atividades?Silvia Massruhá: Quando falamos em sustentabilidade estamos falando do meio ambiente, da transição energética, da bioeconomia, das estratégias de redução da emissão de gases de efeito estufa como as tecnologias da Agricultura de Baixo Carbono (ABC), entre elas a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e o plantio direto. Essa visão sistêmica das mulheres sobre a propriedade rural e sobre os negócios incentiva o uso dessas tecnologias e o olhar de cuidado sobre os negócios.BROTO: Como você vê a importância da educação e capacitação para as mulheres no agronegócio, e de que forma essas iniciativas podem fortalecer o papel feminino no setor?Silvia Massruhá: A capacitação é a base para todas as conquistas. Claro que aqui entram também os fatores resiliência e persistência, pois sem o investimento e a dedicação das mulheres na sua formação, não é possível se obter êxitos concretos.BROTO: De que maneira as mulheres do agronegócio podem se unir para promover a troca de experiências e fortalecer redes de apoio entre si?Silvia Massruhá: Há, no país, muitos grupos de mulheres engajadas na agropecuária. Esses movimentos promovem encontros técnicos, treinamentos e até congressos voltados exclusivamente para o público feminino, onde inclusive as empresas públicas também são convidadas a participar. São momentos importantes para o compartilhamento de experiências, inclusive sobre os desafios de conciliar as vidas profissional e pessoal. Na trajetória das mulheres que estão hoje nesses espaços de poder e de decisão também podemos citar a contribuição de pessoas que sempre as estimularam, sejam pais, mães, companheiros e até as próprias mulheres. Além disso, dar visibilidade a exemplos como o da cientista Johanna Döbereiner e de outras grandes mulheres também contribuem fortemente para essa troca de experiências e construção de redes de apoio.BROTO: Como as organizações como a Embrapa podem contribuir para criar um ambiente mais inclusivo e igualitário para as mulheres, reconhecendo e valorizando suas contribuições?Silvia Massruhá: Internamente, no âmbito da organização, podemos contribuir criando programas que incentivem, por exemplo, as mulheres a se candidatarem aos cargos de gestão, criando espaços de capacitação e de troca de experiências, oferecendo palestras estimuladoras, fortalecendo nossas políticas e programas de enfrentamento ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. No próximo mês, vamos empossar a primeira ouvidora mulher da empresa, fato este que consideramos de grande orgulho para nós. Portanto, são iniciativas que já estamos desenvolvendo e fortalecendo a cada dia.As mulheres rurais formam um conjunto extremamente heterogêneo de empreendedoras, pequenas, médias e grandes, e a Embrapa atende essa diversidade com ações voltadas tanto para as mulheres da agricultura familiar como aquelas que fazem a gestão de grandes empreendimentos rurais.Além dessas, mulheres indígenas, periurbanas, ribeirinhas, extrativistas, que possuem agroindústrias de diferentes produtos em seus estabelecimentos rurais, do setor cafeeiro, só para dar alguns exemplos, são atendidas pela Embrapa a partir de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação que consideram o público feminino em seu planejamento, no todo ou em atividades específicas.
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