26/04/2024 às 14:48
ESPECIAL: O principal desafio da sucessão familiar é a falta de informação, aponta Juliana Milani, presidente da Comissão do Direito Agrário e Agronegócio da OAB de Londrina (PR)
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Uma das principais dores do agro brasileiro é a sucessão familiar. Para tratar sobre esse tema, Juliana Torres Milani, advogada especialista em Processo Civil e presidente da Comissão do Direito Agrário e Agronegócio da OAB de Londrina (PR), concedeu uma entrevista exclusiva para o Broto. Confira:BROTO: Quais são os principais desafios enfrentados pelos pequenos e médios produtores no Brasil em relação à sucessão familiar no agronegócio?Juliana Torres Milani: Como outros desafios enfrentados pelos pequenos e médios produtores rurais, a falta de informação sobre a sucessão familiar é o principal. A cultura atual é a de “afastamento” dos profissionais, especialmente advogados, que poderiam orientar as escolhas do produtor rural com base em informações jurídicas e técnicas para orientar um planejamento sucessório.O êxodo da geração mais jovem do campo, ocorrida principalmente a partir da década de 80 e 90, também é um problema. Algumas famílias, cujos filhos foram “morar na cidade”, não têm preparo ou interesse para assumir a gestão das pequenas e médias propriedades rurais.O último Censo Agropecuário também aponta para essa realidade, mostrando que um a cada quatro produtores tem mais de 65 anos. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que apenas 30% das empresas familiares chegam na segunda geração, e só 5% conseguem resistir até a terceira.Além disso, temos muita dificuldade de falar sobre a morte. Esses desafios precisam ser enfrentados em vida, única forma de organizar um adequado planejamento sucessório aos pequenos e médios produtores rurais.BROTO: Como a falta de planejamento sucessório pode impactar a continuidade e a sustentabilidade dos negócios agrícolas familiares de pequeno e médio porte?Juliana Torres Milani: O impacto pode comprometer a continuidade da atividade agropecuária por ausência de sucessores a dar continuidade ao negócio. A maioria dos imóveis rurais de pequeno e médio porte são geridos pelas famílias, que além de enfrentar a perda de um ente querido, normalmente não estão preparadas para substituir o gestor, que costuma ser o dono da propriedade. Alia-se a essa realidade a dependência de crédito público e a ausência de um fundo de reserva, o que compromete a safra seguinte e pode gerar a paralisação da atividade da propriedade rural, que acumulará dívidas.O processo sucessório deve ser considerado como uma etapa importante e vital para a sobrevivência, principalmente na agricultura familiar, e em pequenas e médias propriedades rurais, que normalmente não possuem uma organização “empresarial”.Passar uma atividade econômica para a seguinte geração exige gerenciamento, o que requer, cada vez mais, qualificação dos sucessores, projetos que garantam viabilidade técnico-administrativa, sua sustentabilidade e políticas públicas adequadas às reais possibilidades e necessidades desse setor produtivo. Ou seja, o desafio é enorme.BROTO: Quais são as vantagens e desvantagens de adotar diferentes modelos de sucessão familiar no contexto do agronegócio, considerando as peculiaridades do Brasil?Juliana Torres Milani: Cada modelo a ser adotado possui vantagens e desvantagens. Deve ser analisado caso a caso e verificar a adequação de cada modelo à realidade dos produtores rurais. Importante que os produtores saibam que as propagandas muitas vezes veiculadas na rede de computadores não são adequadas à sua realidade. A sucessão precisa ser pensada e adequada para cada família.BROTO: Como a falta de capacitação e formação dos sucessores pode afetar a gestão e a competitividade das propriedades agrícolas familiares?Juliana Torres Milani: A falta de capacitação e formação de jovens vêm de seu afastamento da propriedade, normalmente. Pois a capacitação “passa de pai para filho”.O êxodo rural de jovens e a falta de interesse na propriedade e na produção afetam a produtividade, pois redundam na inexistência ou indefinição de um possível sucessor associado, o que, somado à não realização de planejamento sucessório, pode afetar não só a gestão e competitividade, como levar à paralisação das atividades agrícolas.Quando as gerações permanecem na propriedade, estas costumam se capacitar com a ajuda de programas governamentais, ações de sindicatos e cooperativas. Há vários exemplos no Brasil dos filhos que assumem a gestão e melhoram a qualidade e a quantidade de produção, o que se dá, sempre, pela capacitação e inovação no negócio.BROTO: Quais estratégias podem ser adotadas para minimizar conflitos familiares durante o processo de sucessão no agronegócio?Juliana Torres Milani: Conflitos são resolvidos com seu adequado enfrentamento. O diálogo entre familiares com a mediação técnica de um bom profissional do Direito, assim como a análise fiscal e tributária do processo sucessório, são meios bastante eficientes para minimizar conflitos.Ainda, perguntar e saber o que cada ente familiar pretende e quer é algo simples, o que pode ser obtido através de um processo de mediação, que é um procedimento com regras existente no Brasil e que poucos produtores conhecem. Há lei e regras para tanto. Um exemplo muito interessante da mediação é o caso da laranja: uma família briga por um laranja, mas no processo fica claro que um herdeiro queria a casca e outro o miolo da laranja. Ou seja, a pergunta sobre o que cada herdeiro quer pode simplificar o processo e preservar os laços afetivos da família.BROTO: De que forma a legislação brasileira influencia o processo de sucessão familiar no agronegócio, especialmente para os pequenos e médios produtores?Juliana Torres Milani: A legislação brasileira possui regramento sucessório que deve ser observado em quaisquer processos de sucessão familiar. No agronegócio é um pouco mais delicado, pois a produção agropecuária exige continuidade e cuidados diuturnos com a terra, com animais, com plantações etc. Se não há planejamento, eventuais valores de crédito rural podem ser impactados com o falecimento de um ente familiar e “travar” a produção.BROTO: Como as tecnologias e inovações no agronegócio podem influenciar a sucessão familiar, garantindo a modernização e a sustentabilidade das atividades?Juliana Torres Milani: Para o campo, tido como lugar de trabalho árduo e com pouco retorno financeiro em caso de pequenas e médias propriedades rurais, para ser atrativo aos jovens é preciso que seja conectado.A conectividade e os recursos tecnológicos, que vão desde acesso à internet (de forma perene e firme), um software de gestão da propriedade, até o uso de inteligência artificial e monitoramento via satélite, é que vão manter os jovens no campo, pois, além de garantir acesso à informação, tornam o negócio da família mais atraente.Ainda é o que pode proporcionar a construção de uma ponte entre gerações, pois possibilita a combinação de habilidades tecnológicas, que é a realidade dos jovens, com os conhecimentos e experiências na gestão e negociação (com técnicas de plantio, observação da natureza, negociações com fornecedores e clientes), que é de conhecimento dos pais.Sem conectividade será cada vez mais difícil gerir uma propriedade rural, ainda que pequena e/ou média. Cada vez mais é necessário ter máquinas sofisticadas que dão eficiência ao trabalho, o acesso instantâneo a informações sobre clima, preços, cursos e informações que impactam a produção rural. Esse papel é dos jovens.A propriedade rural deve ser mais do que um local de onde a família tira o seu sustento, precisa ser vista como empreendimento, um lugar de pesquisa e adesão a novas tecnologias, o que tem sido o papel dos jovens que “permanecem” ou que “retornam” ao campo. Isso facilita a sucessão familiar.BROTO: As novas gerações trazem um olhar cada vez mais preocupado com os aspectos ASG - principalmente, os ambientais e sociais. Como mostrar para eles que assumir a gestão do negócio rural da família é uma oportunidade prática de desenvolver esse conceito? Juliana Torres Milani: Esse assunto daria tema para uma outra entrevista. Mas vinculando-o à questão sucessória, importante lembrar que há incentivos e linhas de crédito disponíveis a quem demonstra preocupação socioambiental.Há muita propaganda do governo federal com a sustentabilidade, sob o discurso de seguir-se agenda mundial. O Plano Safra de 2023-2024, por exemplo, prevê crédito com juros reduzidos como incentivo à produção ambientalmente sustentável.Cada vez mais tem-se exigido a demonstração da regularidade ambiental e social para o acesso a crédito privado. Não mais é possível acessar crédito rural, quer público quer privado, sem a demonstração de respeito às leis ambientais e a normas sociais.BROTO: Qual é o papel das instituições financeiras e programas governamentais no apoio à sucessão familiar no agronegócio, especialmente para os produtores de menor porte?Juliana Torres Milani: O papel e programas governamentais no agronegócio estão em organizar o Plano Safra que é o programa pelo qual se concede crédito público subsidiado para os produtores rurais distribuídos pelas instituições financeiras. Também é papel do governo elaborar a Política Agrícola Nacional. Não há apoio à sucessão familiar, propriamente dita, por programas governamentais. A sucessão deve ser promovida pela família de produtores, daí a importância do planejamento familiar.Há, no entanto, o programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRO-Rural), mas tal assistência tem natureza previdenciária (pensão por morte) e não sucessória.Os herdeiros devem estar cientes de que o falecimento do gestor da propriedade rural exige a atualização dos cadastros junto a entidades financiadoras, bancos, agentes fazendários, órgãos de controle etc., passando o inventariante a ser o responsável legal pelo espólio.Para formalizar a condição de inventariante do produtor rural falecido, deverá ser aberto inventário, o que exigirá a contratação de um advogado para iniciar o processo de sucessão que poderá ser judicial ou extrajudicial em Tabelionato de Notas, a depender de cada caso.Ou seja, os pequenos e médios produtores no Brasil devem estar preparados para enfrentar toda a situação exigida em relação à sucessão familiar no agronegócio.BROTO: Como a conscientização sobre a importância da sucessão familiar pode ser aumentada entre os agricultores, incentivando o planejamento em longo prazo e a continuidade dos negócios no setor agrícola brasileiro?Juliana Torres Milani: A conscientização sobre qualquer assunto se dá pela busca de informação adequada e técnica que balize tomadas de decisões. Isso em qualquer área, mas no agronegócio ainda mais, pois o falecimento de um ente da família pode comprometer toda a produção rural que deve ser cuidada de sol a sol. O planejamento em longo prazo e a gestão contínua devem ser garantidos pela consulta a profissionais capacitados, pela participação em cursos que são promovidos por associações, sindicatos e cooperativas. Não há uma fórmula única, há muita diversidade no setor agrário a depender do tipo de produção, o que exige um planejamento customizado para cada situação.
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