07/02/2025 às 17:32

ESPECIAL: Trigo pode ser um dos produtos agrícolas impactados em uma eventual guerra comercial entre EUA e Brasil

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As tarifas impostas pelos Estados Unidos estão gerando turbulência no comércio global e reacendendo debates sobre protecionismo e política externa. O governo Trump justifica a medida como um impulso à economia nacional e uma forma de pressionar países vizinhos a reforçarem o controle da imigração. No entanto, alguns impactos negativos podem surgir, atingindo desde o comércio internacional, até o bolso do consumidor americano.

De acordo com Glauber Lucena, professor do curso de Mestrado em Direito do Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, ainda não há evidências concretas de que essas tarifas tragam benefícios reais para os Estados Unidos. "As medidas são muito recentes e ainda não temos provas de que esse tipo de tarifação trará benefícios no curto prazo", afirma o professor. Ele destaca que, além do fator econômico, há uma estratégia política envolvida para pressionar México e Canadá no controle da imigração.

As novas taxas, que chegam a 25% sobre determinados produtos, poderiam incentivar o consumo de itens nacionais, tornando-os mais competitivos. Porém, ainda não há sinais concretos de que essa dinâmica seja confirmada na prática.

A medida de Trump também tem provocado desgastes diplomáticos entre os EUA e seus parceiros comerciais mais próximos, como México e Canadá. “A justificativa da Casa Branca, é de que esses países permitem a entrada de imigrantes ilegais. Esse tipo de declaração gera atritos institucionais, pois coloca em dúvida a postura dos governos canadense e mexicano em relação ao controle de suas fronteiras. Vale lembrar que o impasse pode dificultar futuras negociações e comprometer acordos comerciais", explica Lucena.

:: Consumidores e indústrias: quem ganha e quem perde?

Embora a indústria americana possa ser beneficiada pelo protecionismo, os consumidores podem acabar pagando a conta. Segundo Lucena, o México e o Canadá são grandes fornecedores de alimentos para os EUA, que inclui frutas, vegetais, grãos e carnes.

“Com a aplicação das tarifas, os preços desses produtos tendem a subir, elevando o custo de vida da população e pressionando a inflação. O principal prejudicado pode ser o próprio consumidor americano, que enfrentará preços mais altos para alimentos antes importados a custos mais baixos", alerta.

A incerteza sobre os impactos das tarifas já levou à suspensão temporária de algumas delas, fruto da pressão internacional e de negociações diplomáticas para reforço da vigilância fronteiriça.

:: Tarifas de Trump e impactos no Brasil

O professor de direito do UNIPÊ, ressalta que caso os Estados Unidos ampliem suas tarifas para produtos brasileiros, o impacto pode ser significativo, isso porque o Brasil poderia adotar medidas retaliatórias, dificultando ainda mais as relações comerciais entre os dois países.

"Se as tarifas forem aplicadas sobre produtos brasileiros, isso pode desencadear uma disputa comercial baseada exclusivamente em tarifas, sem as motivações políticas que influenciam as relações entre os EUA e seus vizinhos. Além disso, ao contrário do México e do Canadá, o Brasil não está envolvido na questão migratória, o que tornaria o embate puramente econômico", pontua.

:: O que esperar?

Lucena avalia que diante do risco de inflação e dos impactos políticos, existe a possibilidade de que as tarifas sejam revistas ou até revogadas, inclusive algumas taxações já foram flexibilizadas, e outras permanecem em análise.

"Essas medidas tarifárias podem ser revistas ou até revogadas a qualquer momento, dependendo dos impactos observados na economia americana e da pressão de setores políticos e empresariais.”, finaliza.

Neste cenário, as recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a adoção de medidas de reciprocidade caso Donald Trump aumente as tarifas sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos reacenderam o debate sobre os impactos de uma guerra comercial entre os dois países. Se concretizada, a disputa pode afetar setores estratégicos da economia brasileira, elevando custos para consumidores e exportadores.

Segundo Marcelo Costa Censoni Filho, sócio do Censoni Advogados Associados e especialista em Direito Tributário, essa escalada de tensões pode trazer consequências significativas. "Caso os Estados Unidos realmente aumentem tarifas para produtos do Brasil, e o governo brasileiro reaja da mesma forma, a relação entre os dois países pode se deteriorar a ponto de caracterizar uma guerra comercial. O grande questionamento aqui é: quem sai perdendo?", analisa o tributarista.

Trump pode impor tarifas de forma unilateral? - As ações anunciadas por Trump já geraram questionamentos sobre violações às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Criada em 1995, tendo o Brasil como um dos países fundadores, a OMC tem o objetivo de garantir um comércio internacional baseado em regras claras e equitativas. Um de seus princípios fundamentais é o Tratamento de Nação Mais Favorecida, que impede um país de impor tarifas discriminatórias sem justificativa legal.

“Quando um país aumenta tarifas unilateralmente, ele pode ser questionado no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. Isso já aconteceu antes, e os EUA foram derrotados em disputas anteriores. No entanto, medidas protecionistas, mesmo que contestadas, acabam impactando o comércio global", explica Censoni Filho.

:: Como é a tributação no comércio exterior? - A tributação no comércio exterior brasileiro é regida por diversas normas, sendo as principais:

Decreto-Lei nº 37/1966, que regulamenta o Imposto de Importação (II) e o Imposto de Exportação (IE), tributos federais cobrados pela Receita Federal.

Lei nº 10.865/2004, que estabelece a incidência do PIS-Importação e Cofins-Importação.

Regras de Preço de Transferência, que evitam manipulação de preços para fins fiscais.

Política de defesa comercial da Camex (Câmara de Comércio Exterior), que pode adotar medidas antidumping para proteger setores nacionais.

No caso específico das commodities, as exportações brasileiras seguem padrões internacionais, com a incidência do Imposto de Exportação (IE) e exigências como o Registro de Transações com Commodities.

Qual o impacto para o consumidor? - Caso a guerra comercial avance, os efeitos podem ser sentidos no dia a dia da população. "Se o Brasil aumentar tarifas sobre a importação de trigo dos EUA, por exemplo, o preço do pão e de outros produtos derivados pode subir no mercado brasileiro", exemplifica Censoni Filho.

Além da alta de preços, disputas comerciais podem levar à redução da oferta de determinados produtos no mercado interno. "Se um país deixa de importar um produto devido a tarifas elevadas, a disponibilidade no mercado interno pode diminuir, elevando os preços para o consumidor final", acrescenta.

Censoni Filho diz que a escalada da disputa comercial entre Brasil e EUA ainda é incerta, “mas os desdobramentos podem afetar desde grandes exportadores até o consumidor que faz compras no supermercado”.
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